A tragédia sobre a tragédia
Nos últimos dias, o condomínio onde moro foi abatido por uma dura tragédia. Um vizinho nosso levava sua filha e namorado em seu carro, ainda próximo de casa, quando precisou parar num semáforo. Segundos depois, foi brutalmente atingido na traseira por um veiculo de luxo que era conduzido por um rapaz em alta velocidade. A menina, de apenas 18 anos de idade perdeu a vida neste acidente. O que se seguiu foi um sem número de mensagens no WhatsApp do grupo do condomínio, condolências, reverência, palavras de carinho, além de poesias e canções em homenagem à família. Tudo muito lindo e respeitoso até que alguns resolveram escrever “Deus no controle”, ou “Deus sabe de todas as coisas”, ou a pior versão de todas, “Deus sabe o que faz”. Senti de imediato uma repulsa ao ler este tipo de mensagem. Me coloquei no lugar daquele pai e daquela mãe, que acabaram de perder a sua amada filha, e ainda tem de lidar com a cumplicidade de um “deus” que se mancomunou com um rapaz para conduzir seu carro em alta velocidade, afim de “levar” a sua menina. Preferível nada dizer a tamanha ofensa, um desrespeito a um momento de dor inigualável. A verdade é que nem culpo quem escreveu tamanha barbárie. Certamente só repetiu um discurso que aprendeu por ouvir lideres religiosos que possuem uma visão horrorosa de Deus. Estes, bebendo nas fontes das divindades gregas, acreditam no micro-gerenciamento de todas as pequenas intercorrências de nossa vida. A seu modo de ver, um Deus Todo-Poderoso deveria gerenciar todos os aspectos de nossas vidas, desde a data e horário de nosso nascimento, até as mínimas circunstâncias de nossa morte. Para estes lideres, Deus é um títere, e nós meras marionetes. Dançamos conforme o dedilhar do Todo Poderoso, sendo que tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, estava previsto e planejado antecipadamente em seu eterno desejar. O problema deste raciocínio é que se formos honestos com nós mesmos, precisamos concordar então que barbáries como o Holocausto foram planejadas por Deus e executadas através de nós, a humanidade. E tudo isso para cumprir um certo desígnio incompreensível, que não conseguimos entender do lado de cá da vida, “mas que um dia entenderemos”, (sic). Como acreditar num deus monstruoso desse, tão diametralmente oposto ao pai amoroso introduzido e meticulosamente apresentado por Jesus? É neste momento que minha repulsa fica insuportável a ponto de não só compreender os ateus, como também me juntar à eles. Porque desse deus também me considero ateu. Lamentavelmente, o maior estrago deste tipo de raciocínio não é a proliferação de ateus mundo afora. O maior mal, conforme já advertido por C.S. Lewis, é a geração de mais cristãos professos que realmente acreditem num deus assim. A partir de então, você observa crescer uma sociedade que até se identifica como cristã, mas com um proceder completamente oposto à tudo aquilo que se espera de um seguidor de Cristo. Se teu referencial é mal, como se tornará alguém melhor? Neste momento lembro-me do Carlos Bezerra Jr. que recentemente disse de maneira muito sábia: “Se o seu deus odeia a todas as pessoas que você odeia e exclui todas as pessoas que você exclui, você criou um deus à sua imagem e semelhança, não o contrário”. Nem preciso perguntar ao pai da jovem Sophia, se ele não preferia ter dado sua própria vida se pudesse com isso salvar sua amada filha. Já sei qual seria sua resposta pois também sou pai. Portanto, é fundamental evitar confundir Deus com a imagem caricata e monstruosa que fazem dEle. Ele não só é pai como é o perfeito Pai.
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