Eu queria ser civilizado como os animais


Por estes dias, assistindo um programa de divulgacão cientifica na TV, vi algo extraordinário sobre vida inteligente no reino animal. Por volta do ano de 1900, Karl Ritter Von Frisch realizou um extenso estudo sobre o comportamento das abelhas em seu habitat, a partir de observações detalhadas de colmeias. Surpreso, notou que os pequeninos seres, ao contrário do que o senso comum apregoa, não vivem numa monarquia, mas num bem-sucedido exemplo de democracia. 


A abelha rainha, possui como missão vital a reprodução da colônia. Entretanto, cada uma das fêmeas da colmeia possuem plena capacidade de assumir o cargo, bastando para isso que se mude sua dieta e receba o cetro que graciosamente é concedido pela abelha rainha sempre que há uma necessidade de expansão. O que mais chama a atenção nesta democracia é a sua organização e precisão das comunicações. Quando precisam procurar outro local para viver, seja pelo crescimento, seja por outra necessidade, o grupo das abelhas mais velhas e experientes assumem imediatamente o papel de batedoras, iniciando uma expedição num raio de até 5 km de seu local de origem. A busca de um novo local ideal para se viver envolve muito critério e cuidado. Precisam encontrar um local não muito baixo, para que sua colônia não seja alvo de investidas de outros animais, nem alto demais para ficar sujeito às intempéries do clima. Não pode ser grande demais a ponto de não conseguir preservar o calor, tampouco menor que o necessário para o novo grupo. Ou seja, as abelhas precisam calcular com muita precisão para levar uma proposta. Uma vez que localizam uma boa perspectiva, retornam de imediato à colmeia original. 


O que se segue então é fascinante: - de posse das informações do novo local, cada uma das batedoras iniciam uma apresentação dos dados a todo grupo, o que inclui informações sobre a distancia do local prospectado bem como suas características. Esta apresentação é realizada através de uma dança que corresponde à linguagem das abelhas. Cada um dos precisos e frenéticos movimentos são silabas que compõem um discurso, que é apresentado para todos os membros da colmeia. À medida que cada abelha individualmente entende a proposta como adequada, junta-se àquela que apresentou a proposta. E assim sucessivamente a avaliação vai acontecendo, uma após outra, até que o grupo inteiro chegue num consenso. Apesar de não haver quem minta ou faça lobby, uma vez que para as abelhas é claro que a escolha pode significar o sucesso ou fracasso de toda uma geração de abelhas, algumas sabiamente se deslocam até os locais informados para conferir as informações trazidas pelas batedoras, fazendo uma espécie de “double-check”. O espantoso é que as informações passadas na apresentação são tão precisas que estas conferentes voam diretamente ao local, discernindo a árvore correta em meio à uma floresta inteira, mesmo em distancias enormes. Enquanto isso, avançam as demais apresentações, com um número cada vez maior de adeptos às propostas que vão chegando. Uma vez que o grupo inteiro chega ao consenso sobre a melhor proposta, todos iniciam os preparativos para a mudança. 


A nova rainha, já devidamente empossada, preparada e em forma, se junta ao grupo que se desloca como um único enxame, cada uma com seu papel e responsabilidade claramente definido. Impressionante notar que cada abelha tem seu valor, tendo participado ativamente da escolha da nova casa. Todas tiveram “voz” e foram “ouvidas”. Que maravilhoso exemplo para nós, orgulhosos mamíferos no ”topo da cadeia alimentar”, de como se deve estruturar uma democracia. Nenhuma abelha tentando prevalecer sobre outra, nenhum conchavo ou propina para que seu local seja escolhido em detrimento de outro. Apenas e tão somente uma consciência coletiva de que o futuro da colmeia está nas mãos de todo o grupo. Que fascinante seria se pudéssemos ser tão desenvolvidos como estes pequeninos animais. 


Faz-me lembrar aquela musica do Roberto Carlos: - “… eu queria ser civilizado como os animais…”.

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