São Paulo - uma caminhada com Vítor Hugo e Mozart
Por conta de um compromisso pessoal, precisei ir ao centro de SP ontem pela manhã. Ao caminhar por nossas ruas sujas e becos abandonados, notei a quantidade enorme de pedintes e maltrapilhos que se acumulam em cada reentrância dos encardidos edifícios de nossa cidade. Se estivessem a falar francês, diria que havia entrado no palco da peça Os Miseráveis de Vítor Hugo. E analogamente ao retratado tanto na peça quanto no livro homônimo, nossa sociedade vive o mesmo desperdício, a mesma perda irreparável de capital humano. Ao olhar nos olhos de cada um, fico a pensar se não estou olhando para um Mozart que jamais poderá ser, um Einstein que não teve chance, um Descartes que não vingou.
O problema da corrupção endêmica em que nosso país vive mergulhado, não é só que ela mata a geração atual, mas mata também o futuro, os sonhos e aspirações de uma nação que poderia ser grande, que poderia protagonizar, quando se contenta apenas a ficar nos bastidores, talvez baixando ou subindo as cortinas para outros atuarem. Estou certo de que em cada recôndito deste país, há obras-primas que jamais ouviremos, há descobertas que demorarão ainda mais por serem reveladas, avanços tecnológicos que serão em muito postergados. Alguém haverá de dizer que estou sendo fatalista e que acredito em predisposição genética para a genialidade. Na realidade não acredito exatamente assim. Creio mais em oportunidades nutridas por um ambiente que, se não é exatamente igualitário, que possua um mínimo de condições de educação, estrutura familiar, e que fomente a exuberância cultural e intelectual. Certamente seria o mínimo para despertar o melhor de nossa Humanidade. Nisso me apoio em Edward Wilson quando analisava a relação entre genes e cultura:
“Não existe um gene para tocar bem piano, ou mesmo algum tipo de gene “Rubinstein” para toca-lo extremamente bem. O que há, em vez disso, é uma ampla conjunção de genes cujos efeitos favorecem a destreza manual, criatividade, expressão emotiva, foco, espectro de atenção e controle de tom, ritmo e timbre [...] Essa conjunção também torna a criança bem-dotada propensa a tirar proveito da oportunidade certa na hora certa. Ela tenta um instrumento musical, provavelmente dado a ela por seus pais musicalmente talentosos, recebe deles o estimulo de um elogio merecido, repete o feito, é outra vez estimulada, e logo abraça aquilo que se tornará a preocupação central de sua vida.”. Daí nasce um novo Mozart, ou a contextualizar em ‘terras brasilis’, um Heitor Villa-Lobos. Mesmo sem estas condições, vez ou outra temos lampejos aqui ou acolá de genialidade como o caso recente da garoto paulista que venceu as Olimpíadas de Matemática. Mas estes acabam por ser exceção mui rara, uma conjunção fortuita em meio ao caos. Estou certo que como nação poderíamos ser muito mais exuberantes intelectualmente, contribuindo muito mais para a Humanidade. Mas para isso acontecer, precisamos caminhar muito. Temos nossa própria “Revolução Francesa” adiante, porém não para depor uma monarquia absolutista, mas uma corrupção que reina incólume nas entranhas de nossa sociedade, com mãos de ferro e dentes de aço, a mastigar e dilacerar gerações.
Terminado meu compromisso, retornei à minha labuta diária, mas não sem um lamento silencioso por minha cidade, minha pátria, pelas perdas que sequer saberemos ou recuperaremos. Que venham dias melhores.
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