Carta Aberta à NASA

Querida NASA,


Desnecessário dizer aqui o quanto esta agência é mundialmente admirada. A comunidade global reconhece suas contribuições para o desenvolvimento de um mundo melhor, de um mundo sem fronteiras, onde o infinito é o limite. Sendo um grande admirador desta agência, sinto-me compelido a lhes encaminhar um alerta sobre a decisão recente de renomear certos corpos estelares, com o objetivo de demonstrar inclusão e diversidade. Peço que não me entendam mal. Compartilho destes valores tāo essenciais para nossa civilização. Entretanto, gostaria de ajudá-los à luz da experiência de nosso país, a evitar certas trilhas já caminhadas, que se mostram inócuas e terríveis na linha do tempo. 


Aqui no Brasil, há algumas décadas, começamos um grande movimento de renomear coisas, sempre a partir de objetivos nobres. Darei alguns exemplos: - antes utilizava-se o termo favela para designar um agrupamento de domicílios paupérrimos, sem qualquer infraestrutura e saneamento, geralmente criadas em terrenos invadidos, cuja segurança contra desastres naturais depende única e exclusivamente da sorte. Certo dia alguém entendeu que o termo favela é pejorativo e feio. Tomou-se a decisão de se mudar a designação para o termo comunidade. Hoje não se pode mais utilizar o termo favela para designar tais locais. Temos gente entre os intelectuais de nosso país que arduamente patrulham o uso inadvertido deste termo. Um outro exemplo foi o uso das palavras “menor infrator” aos jovens ou crianças que praticavam crimes. Alguém entendeu que tais nomes eram discriminantes e pejorativos. A nova designação passou a ser “jovem infrator”. 


A questão é que seja lá qual o termo que se usa, novo ou o velho, é totalmente indiferente na prática. Isto porque em nosso país, seja favela ou comunidade, o fato é que não param de crescer os domicílios que se encaixam nesta definição. Em maio de 2020, constam que 5,12 milhões de domicílios estão dentro de favelas. O poder público é ausente para estes, e a maioria da população se mostra ou preconceituoso ou apenas indiferente. Nada se muda, tudo permanece como antes. Ao invés de modificar as estruturas que estão por detrás da “favelização”, mudamos o nome e está tudo resolvido. Alguém poderia dizer que mudar o nome é o primeiro passo para uma mudança de atitude. Lindo de se ver numa manchete de jornal ou num powerpoint de uma empresa, porém totalmente indiferente na prática. Qual o problema de se mudar nomes ou designações? Nenhum, afinal nome é apenas isso, um nome. O objeto do nome é que é a questão, que deveria receber toda atenção. Mudança de um nome sem uma mudança de atitude, não só é indiferente como é também totalmente ilusório. Só serve para marketing, nada mais. Para uma sociedade de aparências como a que vivemos hoje talvez soe suficiente. Mas estou certo que é insuficiente para uma instituição séria como a NASA. 


Aqui no Brasil somos extremamente apegados a títulos. De forma peculiar, desconectados da realidade, mudamos e adotamos novos nomes a todo tempo, como se bastasse para nos definir, a nos tornar melhores como povo. Definimo-nos como um país cristão, mas desprezamos os valores mais básicos da cristandade como tolerância ao diverso ou amor fraternal. Definimo-nos como um povo pacífico e cordial, mas aqui a taxa de homicídios é superior à somatória de países que vivem em guerra civil. Somos tão atentos aos nomes mas tão pouco disciplinados com a prática. O nível de esquisitice e preocupação com nomes chegou a tal ponto que até palavras triviais como cidadão se tornaram pejorativas. Aqui não tem cidadão, tem engenheiro formado. Tem desembargador. Tem doutor. Mas na prática, muitas vezes falta educação básica pra tratar o próximo com o mínimo de respeito. 


Portanto, gostaria de avisá-los de que este caminho já foi trilhado, adverti-los do quão ineficaz ele é. Porém, para que este texto não soe apenas como uma crítica, mas de modo construtivo, afim de contribuir para tão nobre causa, gostaria de sugerir que ao invés de mudar o nome da nebulosa esquimó, por que não fazer a semana de honra e reconhecimento dos funcionários com ascendência esquimó? Não existem tais pessoas na NASA? Que tal criar uma iniciativa para fomentar o desenvolvimento de novos cientistas entre as comunidades do ártico? Ao invés de modificar o nome da galáxia dos gêmeos siameses, que tal criar um programa de incentivo à ciência em Siam, na Tailândia, em parceria com o governo local? 


Num mundo centrado em imagens, pessoas de carne e osso clamam por atitudes concretas e práticas.


Cordial e respeitosamente, André, um cidadão brasileiro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Entre pensadores e aviões

Conto da coruja e o tamanduá

Os dois papas