Oráculos digitais

Vivemos num tempo e mundo loucos. O excesso de informações, sem os elementos intelectuais para lidar com tudo isso, somado à falta de tempo para assentar o conhecimento adquirido, tem gerado uma saturação geral do pensamento. O dano provocado por esta saturação, além de inibir o próprio pensamento, impacta nas relações interpessoais, as quais em tempo de afastamento social, ramifica e agudiza nas mídias sociais. Torna-se uma situação biunívoca, marcada por amigos - inimigos, certo - errado, verdadeiro - falso. Perdemos a possibilidade de enxergar as nuances existentes entre os pólos, e por consequência perdemos também a profundidade dos temas, a capacidade de estabelecer um olhar sobre os fatos. Aliás, por definição, o olhar deveria ser apenas isso, o estabelecimento de relação entre as coisas. No mundo de hoje deixamos de ter olhar, mas apenas pontos de vista e opiniões. O grande problema é que ponto de vista é fixo, destituído de maleabilidade, não sendo possível amoldar de acordo com o conhecer dos fatos. Até porque num mundo em que se busca a simplificação, a polarização é menos trabalhosa, logo mais prática. Pra piorar, hoje até decisões de estado são tomadas com base em opiniões, (as chamadas pesquisas de opinião). O triste é que com isso perdemos o espaço para a conversa, o diálogo, a troca de idéias, restando apenas a agressão ao outro. Todos possuem opinião formada, ainda que cultivada sob a tutoria das opiniões alheias, estas provenientes de seu próprio gueto. Fica quase impossível diferenciar fatos da interpretação destes mesmos fatos. E é neste momento que todos ficamos extremamente vulneráveis aos inescrupulosos e de índole ruim. Certa vez, quando visitava o sitio arqueológico em Delfos, ao olhar para as ruínas do oráculo que lá existia, fiquei inconformado em pensar que no passado, as pessoas se dirigiam àquele local em busca de orientação, direcionamento, sem se aperceber (ou ignorando voluntariamente), que por detrás da pedra havia uma pessoa que personificava a voz que ouviam. Portanto, não era Apollo que os aconselhavam, mas o sacerdote e a pitonisa que estava na escala no dia. Mas logo meu inconformismo cedeu espaço para a constatação de que fazemos exatamente o mesmo hoje. Somos iguais. A diferença é que nossos oráculos são mais sofisticados, utilizam plataformas tecnológicas, algoritmos, segregam grupos, guetos, preferências, mas na raiz é exatamente a mesma coisa. Somos muito instruídos pelos Apollo’s digitais e praticamente nada pelo arrazoamento sincero entre pessoas de linhas de pensamento antagônicos. Em tempos como os que vivemos hoje, torna-se cada vez mais urgente a conciliação, a união, o colaboração, especialmente entre os grupos que pensam diferente. O curioso é que a mesma gripe que nos ameaça gravemente, também aviva sentimentos de solidariedade, colaboração, apoio e bondade. Seria o vírus que nos assusta também o responsável pela recuperação de nossa humanidade? O tempo vai dizer.

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