Inclusão Social - E eu com isso?


Hoje, enquanto aguardava o trem do metrô chegar à estação, como de hábito, comecei observar as pessoas à minha volta e notar seus comportamentos, trejeitos e idiossincrasias. Um comia displicentemente um salgadinho de bacon que mal cabia em sua boca. Como conseqüência, migalhas caiam aos montes no chão da estação, algumas delas mais parecendo grandes flocos. Desviei o olhar. Outra, nervosamente digitava algo em seu celular, com uma destreza de fazer inveja a qualquer estenógrafo. Mal se podia ver seus polegares pulsando furiosamente sobre a tela do dispositivo. Lembrei-me das já tão longínquas aulas de datilografia: - "use todos os dedos!" - diria a instrutora se pudesse nos ver.

Foi aí que direcionei minha visão para meu lado esquerdo e presenciei uma cena inusitada:

Um casal há apenas alguns metros de distância conversavam freneticamente entre si. Aparentemente discutiam a relação, (ah..., o famoso DR...), tamanha a intensidade de sua conversa. Até aí nenhuma surpresa, não fosse algo de diferente nesta discussão: - ambos conversavam silenciosamente na linguagem de sinais (Libras).

Ele, demonstrava estar incomodado com algo, desejando tomar satisfações, talvez. Enquanto ela aparentava se recusar a conversar. Parecia cansada e sem querer arrastar ainda mais a conversa.

O primeiro constrangimento que se abateu sobre mim é que me dei conta que não entendia absolutamente nada de sua conversa. Meus anos de estudo de inglês e francês em nada me ajudavam. O segundo, foi que confuso, não sabia como reagir à medida que a intensidade da conversa aumentava. Isto porque quanto mais a tensão aumentava, mais fortemente um "cutucava" o outro para obter sua atenção. Neste momento preocupei-me. Qual a fronteira entre uma discussão acalorada e a agressão? Se fosse para intervir, como o faria? Escreveria numa folha algo como: "Ei! Parem com isso?". Ou talvez, "Moça, este sujeito a está importunando?".

Percebi-me inútil neste momento. Tomei meu trem que acabava de chegar e prossegui para casa pensando sobre como deve ser difícil viver num mundo isolado, sem sons, sem pássaros, sem música, sem nem mesmo o som de um suspiro. É bem verdade que há alguma benção nisso, pensei: - jamais terão o suplício de ouvir um 'funkeiro'!

Brincadeiras à parte, comecei a pensar que deveria considerar seriamente fazer um curso de libras. É bem possível que minha coordenação motora me faça gago nesta linguagem, mas acredito que posso melhorar. Porém, como retorno, ingressarei num mundo que não me dava conta ser tão perto. Um mundo novo, onde a inclusão ganha um outro sentido.

Inclusão social é mais do que exigir da prefeitura calçadas adaptadas à cadeirantes. É pedir a calcada, exigir o ônibus e táxi adaptados, é demandar vagas exclusivas, mas acima de tudo, como indivíduos também se fazer inclusivos. O fato deste assunto nunca ter sido relevante para mim, me mostrou o quanto ignoro uma parcela enorme da sociedade que convive conosco todos os dias. Hoje consigo falar com qualquer sujeito do planeta que fale inglês, mas não consigo trocar uma palavra  sequer com meu vizinho deficiente auditivo.

Na era digital encurtamos distâncias, temos acesso online para qualquer local do globo. Através de amplos sistemas de video conectados à Internet, conseguimos espiar milhares de ruas mundo afora. Mais recentemente, conseguimos até acessar imagens via satélite de um robô que passeia pelo solo marciano. Tudo isso belíssimo, até me lembrar que me isolei de meus próximos.

As contingências de nosso mundo já excluíram a audição, a visão, ou a capacidade de locomoção de alguns de nós. Ao nos distanciarmos destes, excluímos ainda seu convívio social. De que adianta uma cidade inclusiva se seus cidadãos não o são?

Talvez devêssemos pleitear aulas de Libras nas escolas, afinal de contas este também é um idioma utilizado no Brasil. Não seria interessante que todas as crianças conseguissem conversar normalmente com um deficiente auditivo? Isso significaria que uma geração inteira poderia ser totalmente inclusiva.

Outro dia, assisti boquiaberto a um video no Youtube em que um cego demonstrava habilmente como fazia uso normal de seu iPad. Fiquei surpreso de ver o quanto este dispositivo é recheado de recursos para inclusão de deficientes. Surpreende-me ainda mais saber que não há incentivos fiscais para que um deficiente compre este tipo de equipamento. Seria pedir muito?

Enfim, creio que como sociedade já demos alguns passos importantes. Porém, a jornada ainda é longa antes que tenhamos condições de nos afirmar como sociedade inclusiva. O tempo irá dizer.

E eu com tudo isso? Bem, ainda espero conseguir me incluir para ter um papo inclusivo e silencioso com aquele casal...

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